Conheci Dra. Zilda pessoalmente quando já estava com seus 74 anos de idade. A convivência muito de perto, de nem mesmo um ano, com ela me permitiu reconhecer nela uma mulher de fé firme e profunda; uma mulher que foi significativa para meu país e para o mundo pela Pastoral da Criança que fundou, porque foi fruto de uma profunda espiritualidade bebida na fonte que é o próprio Jesus. Uma mulher de oração para quem a eucaristia era fundamental. Essa atitude de fé que ela transmitia aos que estavam a seu redor e se podia perceber na dinâmica de convidar os funcionários que trabalhavam na sede da Pastoral da Criança, em Curitiba, para as celebrações eucarísticas que se faziam aí. Aliada a esta, saltava aos olhos seu amor à Igreja, o respeito e sentido de obediência com que tratava os bispos quando começava sua missão em uma nova Diocese.
A mística de FÉ e VIDA sobre a qual assenta a Pastoral da Criança, foi uma atitude de vida que nela encontrava eco. Repetia contínuas vezes a importância de manter a espiritualidade como fogo que mantém acesa a mística que anima os voluntários a permanecerem firmes em sua missão e que impulsiona as ações da PAstoral da criança. Outra frase que ouvi de sua boca inúmeras vezes:”a espiritualidade é a coluna vertebral da Pastoral da Criança, sem a qual não se pode manter-se nessa missão”;
A confiança que a fazia acreditar na capacidade das pessoas mais simples das comunidades para que se somassem a essa grande rede de solidariedade que é a Pastoral da Criança na luta pela vida das crianças, gestantes e suas famílias.
A solidariedade era outra marca de sua personalidade. O desejo de vida em abundância para todas as famílias pobres fazia dela uma guerreira quando se tratava de lutar pelos direitos delas na área saúde que conhecia bem e em outras questões que dependiam dos políticos; a coragem de enfrentá-los e a persistência quando se tratava da defesa dos mais pobres.
A Vida em abundância que Jesus veio trazer encontrou eco em seu coração e em suas habilidades como médica pediatra. Bastou uma idéia vinda de seu irmão D. Paulo Evaristo Arns para que criasse e colocasse a serviço dos mais pobres seus conhecimentos e capacidades com uma metodologia comunitária de multiplicação do conhecimento e da solidariedade entre as famílias mais pobres, a fim de ajudá-las a resolver problemas simples e com grande eficácia.
Ela contava que ao receber o telefonema de D. Paulo com a proposta, pediu aos filhos que rezassem, pois ela tinha um importante projeto a desenvolver e uma decisão a tomar. Tanto quanto Jesus que vai para o deserto, afasta-se da sociedade judaica para olhá-la de longe e depois retorna com novas regras, quebrando as antigas através do amor, da compaixão, da proximidade, da vida e dignidade das pessoas sobretudo as mais pobres, no meu modo de entender, foi o mesmo movimento realizado por Dra Zilda naquela noite em que desenhou esta maneira nova de recuperar a vida de tantas crianças, gestantes e, nesses últimos anos dos idosos. Sua capacidade de mobilizar e congregar os voluntários para que fossem capacitados a multiplicar ações simples com um jeito novo de educar as mães e as famílias revelou-se a melhor forma de combater a desnutrição, a mortalidade infantil e a violência familiar.
Uma mulher com alma missionária, com audácia para ir além-fronteiras. Quando algum bispo de algum país lhe pedia para iniciar aí a Pastoral da Criança, não media esforços. Destemida colocava-se em disponibilidade e com alegria; não havia distância nem cansaço de viagem que impedisse de se colocar a caminho.
Quero ressaltar a atitude de simplicidade ousada em seu sorriso fácil, nas relações que estabelecia, na ânsia de que a Pastoral da Criança fosse mais e mais conhecida, nas buscas por soluções, por diálogo e pela paz. Uma simplicidade ousada e profundamente revolucionária. Poderia dizer que é a Revolução pela Vida – jamais vista em tamanha proporção. Desconheço em nossa sociedade alguém que tenha provocado mudança tão significativa em favor da vida, preferencialmente das comunidades mais pobres, envolvendo a tantas pessoas, durante tanto tempo! Só pode ser obra de Deus! É o Reino de Deus acontecendo de forma muito concreta aqui e agora!
Sua morte entre os mais pobres de nosso continente, no Haiti, fala da missão pela qual deu a vida até o último instante.
Ir. Rosangela Maria Altoé